Livro realmente incrível que conta a história do processo evolutivo do ser humano desde tempos primórdios até os dias de hoje e além. Nossas crenças, DNA, economia, psicologia e suas interrelações no processo evolutivo para explicar porque vivemos como vivemos. Tudo não passa do fruto da imaginação humana. Atenção especial aos capítulos 12, 17 e 19
Minhas anotações:
Como todo mundo sabe, dos tempos antigos até hoje, escriturários e contadores pensam de uma maneira não humana.
Eles pensam como armários de arquivo.
Não é culpa deles.
Se não pensarem dessa maneira, suas gavetas ficarão todas misturadas, e eles não serão capazes de fornecer os serviços de que seu governo, sua empresa ou sua organização necessita.
Todas as distinções mencionadas aqui – entre homens livres e es-cravos, brancos e negros, ricos e pobres – se baseiam em ficções.
Os ocidentais modernos são ensinados a desprezar a ideia de hierarquia racial.
Mas a hierarquia de ricos e pobres, que / autoriza os ricos a viver em bairros distintos e mais luxuosos, estudar em escolas distintas e de mais prestígio e receber tratamento médico em instalações distintas e bem equipadas, parece perfeitamente sensata para muitos norte-americanos e europeus.
Mas é um fato comprovado que a maior parte dos ricos são ricos pelo simples motivo de terem nascido em uma família rica, enquanto a maior parte dos pobres continuarão pobres no decorrer da vida simplesmente por terem nascido em uma família pobre.
Como podemos diferenciar aquilo que é biologicamente determinado daquilo que as pessoas apenas tentam justificar por meio de mitos biológicos? Um bom princípio básico é “a biologia permite, a cultura proíbe”.
A cultura tende a argumentar que proíbe apenas o que não é na-tural.
Mas, de uma perspectiva biológica, não existe nada que não seja natural.
Tudo o que é possível é, por definição, também natural.
Um comportamento verdadeiramente não natural, que vá contra as leis da natureza, simplesmente não teria como existir e, portanto, não necessitaria de proibição.
Nenhuma cultura jamais se deu ao trabalho de proibir que os homens realizassem fotossíntese, que as mulheres corressem mais rápido do que a velocidade da luz, ou que elétrons com carga negativa atraíssem uns aos outros.
Na verdade, nossos conceitos de “natural” e “não natural” não são tirados da biologia, mas da teologia cristã.
Desde a Revolução Francesa, pessoas do mundo inteiro pouco a pouco passaram a ver a igualdade e a liberdade individual como valores fundamentais.
Mas os dois valores são contraditórios.
A igualdade só pode ser assegurada se forem diminuídas as liberdades daqueles que estão em melhores con-dições.
Os democratas querem uma sociedade mais igualitária, mesmo que isso signifique aumentar os impostos para finan-dar programas para ajudar pobres, idosos e enfermos.
Mas isso infringe a liberdade dos individuos de gastar seu dinheiro como desejarem.
A consistência é o parque de diversões das mentes entorpecidas. ter crenças contraditórias e ser dilacerado por valores in-compatíveis.
E uma característica tão essencial a qualquer cultura que até recebeu um nome: dissonância cognitiva.
Faríamos melhor em ado-tar, isso sim, a visão de um satélite de espionagem, que analisa milênios em vez de séculos.
De um ponto de observação desses, fica nítido que a história está se movimentando incessantemente rumo à unidade.
Pessoas que não acreditam no mesmo deus nem obedecem ao mesmo rei estão mais do que dispostas a utilizar o mesmo dinheiro.
Osama bin Laden, apesar de todo o ódio pela cultura, religião e política norte-americanas, adorava dólares.
Como o dinheiro teve êxito onde deuses e reis fracassaram?
O que havia de tão importante em um metal, que não podia ser comido, bebido ou tecido, e que era frágil demais para ser utilizado em ferramentas ou armas? Quando os nativos questionaram
Cortés sobre o porquê de os espanhóis terem tanta paixão por ouro, o conquistador respondeu: “Porque eu e meus companheiros sofremos de uma doença do coração que só pode ser curada com ouro”
Uma economia baseada em favores e obrigações não funciona quando grandes números de estranhos tentam cooperar.
Uma coisa é fornecer assistência gratuita para uma irmã ou um vizinho; outra bem diferente é cuidar de estranhos que podem nunca retribuir o favor.
No entanto, a maioria das sociedades encontrou uma forma mais fácil de conectar um grande número de especialistas – o dinheiro.
O dinheiro é, consequentemente, um sistema de confiança mútua, e não só isso: o dinheiro é o mais universal e mais eficiente sistema de confiança mútua já inventado.
Durante milhares de anos, filósofos, pensadores e profetas demonizaram o dinheiro e o consideraram a raiz de todos os males.
Seja como for, o dinheiro é também o apogeu da tolerância humana.
O dinheiro é mais tolerante que linguagem, leis estaduais, códigos culturais, cren-cas religiosas e hábitos sociais.
O dinheiro é o único sistema de crencas criado pelos humanos que pode transpor praticamente qualquer abismo cultural e que não discrimina com base em religião, gênero, raça, idade ou orientação sexual.
Graças ao dinheiro, até mesmo pessoas que não se conhecem e não confiam umas nas outras são capazes de cooperar de maneira efetiva.
O preço do dinheiro
O dinheiro é baseado em dois princípios universais: а. convertibilidade universal: com o dinheiro como alquimista, é possível transformar terras em lealdade, justiça em saúde e violência em conhecimento; b. confiança universal: com o dinheiro como intermediário, quaisquer duas pessoas podem cooperar em qualquer projeto.
Pintar todos os impérios de preto e condenar todos os legados imperiais é rejeitar a maior parte da cultura humana.
As elites imperiais usaram os lucros da conquista para financiar não só exércitos e fortificações como também filosofia, arte, justiça e caridade.
Os ganhos e a prosperidade trazidos pelo imperialismo romano propiciaram a Cícero, Sêneca e Santo Agostinho o tempo livre e os recursos necessários para pensar e es-crever.
A presunção de governar o mundo inteiro para o bem de todos os seus habitantes era impressionante.
A evolução fez o Homo sapiens, assim como outros mamíferos sociais, uma criatura xenofóbica.
Os sapiens dividem a humanidade instintivamente em duas partes, “nós” e “eles”. “em todas as seis direções [do universo], tudo pertence ao imperador [. . . ] onde quer que exista uma pegada humana, há alguém que se tornou súdito [do imperador] [. . . ] sua bondade chega até mesmo aos bois e cavalos.
Não há ninguém que não se beneficie dela.
Todos os homens estão em segurança sob o teto dele”
E difícil governar um império em que cada pequeno distrito tem seu próprio conjunto de leis, sua própria forma de escrever, sua própria língua e seu próprio dinheiro.
A padronização era uma vantagem para os imperadores.
Hoje, muitos norte-americanos sustentam que seu governo tem o dever moral de levar aos países do Terceiro Mundo os benefícios da democracia e dos direitos humanos, mesmo que estes sejam entregues por mísseis de cruzeiro e F-16s.
Mas grande parte das culturas de hoje se baseia em legados imperiais.
Se os impérios são, por definição, ruins, o que isso diz sobre nós?
As religiões afirmam que nossas leis não são resultado de capricho humano, e sim determinadas por uma autoridade suprema e absoluta.
Isso ajuda a tornar inquestionáveis pelo menos algumas leis fundamentais, garantindo, desse modo, a estabilidade social.
Os monoteístas são no geral muito mais fanáticos e missionários que os politeístas.
Uma religião que reconhece a legitimidade de outras crenças implica ou que seu deus não é o deus supremo do universo, ou que ela recebeu de Deus apenas parte da verdade universal.
Como os monoteístas costumam acreditar que são detentores de toda a mensagem de um único Deus, são compelidos a descrer de todas as outras religiões.
Muitos cristãos, muçulmanos e judeus acreditam numa poderosa força do mal – como a que os cristãos chamam de diabo ou sata – que pode agir autonomamente, combater o Deus benévolo e criar destruição sem a permissão de Deus.
Como pode um monoteísta aderir a tal crença dualista (que, aliás, não é encontrada em lugar nenhum no Velho Testamento)? Logicamen-te, é impossível.
Ou você acredita em um único Deus onipotente ou você acredita em duas forças opostas, nenhuma das quais é onipotente.
A crença no Céu (o reino do deus bom) e no Inferno (o reino do deus mau) também tem origem dualista.
Não há nenhum vestígio dessa crença no Velho Testamento, que tampouco afirma que a alma das pessoas continua a viver após a morte do corpo.
O cristão típico acredita no Deus monoteísta, mas também no Diabo dualista, em santos politeístas e em fantasmas animistas.
O sincretismo talvez seja, de fato, a única grande religião mundial.
As pessoas almejam riqueza e poder, adquirem conhecimento e posses, geram filhos e filhas e constroem casas e palácios, mas, não importa o que conquistem, nunca estão contentes.
O que Gautama compreendeu é que não importa o que a mente experimente, ela geralmente reage com desejo, e o desejo sempre envolve insatisfação.
Grandes deuses podem nos enviar chuva, instituições sociais podem proporcionar justiça e um bom serviço de saúde, e coincidências afortunadas podem nos transformar em milionários, mas nada disso pode mudar nossos padrões mentais elementares.
Se, quando sentir algo agradável ou desagradável, a mente simplesmente entender as coisas como são, não haverá sofrimento.
Essas práticas nos ensinam a focar toda a atenção na pergunta “O que estou sentindo agora?” em vez de “O que eu preferiria estar sentindo?”.
Uma pessoa que não deseja não sofre.
Ele condensou seus ensinamentos em uma única lei: o sofrimento surge do desejo; a única forma de se livrar totalmente do sofrimento é se livrar totalmente do desejo; e a única forma de se livrar do desejo é ensinar a mente a experimentar a realidade tal como é.
O primeiro princípio da religião monoteísta é “Deus existe.
O que Ele quer de mim?”.
O primeiro princípio do budismo é “O sofrimento existe. Como fugir dele?”.
Se uma religião é um sistema de normas e valores humanos que se baseia na crenca de uma ordem sobre-humana, então o comunismo soviético é uma religião tanto quanto o islamismo.
O islamismo é, obviamente, diferente do comunismo, porque o islamismo vê a ordem sobre humana governando o mundo como o decreto de um deus criador onipotente, ao passo que o comunismo soviético não acreditava em deuses.
Mas o budismo também dá pouca importância aos deuses, e ainda assim nós o classificamos como uma religião.
Um comunista devoto não podia ser cristão nem budista, e se esperava que difundisse o evangelho de Marx e Lenin mesmo que isso lhe custasse a própria vida.
Podemos dividir os credos em religiões centradas em deus e ideologias sem deus que afirmam se basear em leis naturais.
Embora o humanismo liberal santifique os humanos, não nega a existência de Deus e, com efeito, se baseia em crenças monoteístas.
A crença liberal na natureza livre e sagrada de cada indivíduo é um legado direto da crença cristã tradicional em almas individuais livres e eternas.
Sem poder recorrer a almas eternas e um Deus Criador, fica embara-çosamente difícil para os liberais explicar o que há de tão especial nos indivíduos sapiens.
Como o humanismo liberal, o humanismo socialista também se baseia no monoteísmo.
A ideia de que todos os humanos são iguais é uma versão renovada da convicção monoteísta de que todas as almas são iguais diante de Deus.
Mas, com toda a franqueza, por quanto tempo poderemos manter o muro que separa o departamento de biologia dos departamentos de direito e ciência política?
Um número cada vez maior de estudiosos vê as culturas como um tipo de infecção ou parasita mental, sendo os humanos seus hospedeiros involuntários.
Os parasitas orgânicos, como os vírus, vivem dentro do corpo de seus hospedeiros. Eles se multiplicam e se espalham de um hospedeiro a outro, alimentando-se deles, enfraquecendo-os e, às ve-zes, até os matando.
Contanto que os hospedeiros vivam o bastante para transmitir o parasita, este pouco se importa com a condição em que seu hospedeiro se encontra.
Da mesma forma, as ideias culturais vivem dentro da mente dos humanos.
Uma ideia cultural – tal como a crença no paraíso cristão nos céus ou no paraíso comunista aqui na Terra – pode forçar um ser humano a dedicar sua vida a espalhá-la, às vezes tendo a morte como preço.
O humano morre, mas a ideia se espalha.
Os bancos são autorizados a emprestar dez dólares para cada dólar que realmente têm, o que significa que 90% de todo o dinheiro em nossas contas bancárias não é coberto por moedas e notas reais?
O que permite que os bancos – e toda a economia – sobrevivam e floresçam é nossa confiança no futuro.
Essa confiança é a única garantia para a maior parte do dinheiro do mundo. as pessoas concordaram em representar bens imaginários – bens que não existem no presente – com um tipo especial de dinheiro chamado “crédito”.
O crédito nos permite construir o presente à custa do futuro.
Baseia-se no pressuposto de que nossos recursos futuros serão muito mais abundantes do que nossos recursos presentes.
Smith apresentou o seguinte argumento original: quando um proprietário de terras, um tecelão ou um sapateiro tem mais lucro do que precisa para manter a própria família, ele usa o excedente para empregar mais assistentes, a fim de aumentar seu lucro.
Quanto mais lucro tiver, mais assistentes pode empregar.
Daí decorre que um aumento no lucro dos empreendedores privados é a base para o aumento na riqueza e prosperidade coletivas.
O que Smith afirma é, na verdade, que a ganância é algo bom e que ao ficar mais rico eu beneficio a todos, e não só a mim mesmo.
Egoísmo é altruísmo.
No novo credo capitalista, o primeiro e mais sagrado mandamento é: “Os lucros da produção devem (ser reinvestidos no aumento da produção”
O capital consiste de dinheiro, bens e recursos que são investidos na produção.
A riqueza, por outro lado, é enterrada debaixo do solo ou desperdiçada em atividades improdutivas.
Um faraó que destina recursos a uma pirâmide improdutiva não é um capitalista.
Um pirata que rouba uma frota de tesouro espanhola e enterra um cofre cheio de moedas brilhantes na praia de alguma ilha caribenha não é um capitalista.
Mas um operário diligente que reinveste parte de sua renda na bolsa de valores, sim.
Esse era o círculo mágico do capitalismo imperial: o crédito financiava novas descobertas; as descobertas levavam às colônias; as colônias geravam lucros; os lucros criavam confiança; e a confiança se traduzia em mais crédito.
Por exemplo, um governo pode impor uma carga tributária pesada sobre os industrialistas e usar o dinheiro para pagar seguros-desemprego generosos, uma medida popular entre os eleitores.
Na visão de muitos empresários, seria muito melhor se o governo deixasse o dinheiro com eles.
Eles o usariam, segundo afirmam, para abrir novas fábricas e contratar os desempregados.
Nessa visão, a política econômica mais sábia é manter a política fora da economia, reduzir ao mínimo a carga tributária e a regulação do governo e deixar que as forças do mercado tomem seu curso.
Os investidores privados, desimpedidos de considerações políticas, investirão seu dinheiro onde puderem obter mais lucro; portanto, a forma de garantir máximo crescimento econômico – que beneficiará a todos, industrialistas e operários – é o governo fazer o mínimo possível.
Essa doutrina de livre mercado é hoje a mais comum e mais influente variante do credo capitalista.
Os mercados, sozinhos, não oferecem proteção alguma contra fraude, roubo e violência.
É função dos sistemas políticos assegurar a confiança legislando sanções contra trapaças e instaurando e financiando forças policiais, tribunais e prisões que fazem com que a lei seja cumprida.
Essa é a pedra no sapato do capitalismo de livre mercado.
Não há como garantir que os lucros sejam ganhos de forma justa, ou distribuídos de maneira justa.
Em décadas recentes, e especialmente depois de 1945, a ganância capitalista foi um pouco freada, sobretudo por temor ao comunismo.
Mas as desigualdades continuam extremas.
O bolo econômico de 2015 é muito maior que o de 1500, mas é distribuído de maneira tão desigual que muitos camponeses africanos e trabalhadores indonésios voltam para | casa depois de um dia duro de trabalho com menos comida do que seus ancestrais há 500 anos.
Pelo menos quando usamos critérios puramente materiais – como expectativa de vida, mortalidade infantil e ingestão de calorias -, o padrão de vida médio dos humanos em 2015 é significativamente maior do que era em 1913, apesar do crescimento exponencial no número de humanos.
Em seu cerne, a Revolução Industrial foi uma revolução na conversão de energia.
Claro está que não falta energia no mundo.
A única coisa que nos falta é o conhecimento necessário para usá-la e convertê-la para nossas necessidades.
A quantidade de energia armazenada em todo o combustível fóssil na Terra é insignificante se comparada com a quantidade que o Sol fornece a cada dia, livre de encargos.
Além dela, somos cercados por outras fontes imensas de energia, como a energia nuclear e a energia gravitacional, esta última mais evidente na potência das ondas oceânicas causadas pela influência da Lua sobre a Terra.
Tudo que precisamos fazer é inventar geradores melhores.
Até mesmo plantas e animais foram mecanizados.
Mais ou menos na mesma época em que o Homo sapiens foi elevado a um status divino pelas religiões humanistas, os animais de criação deixaram de ser vistos como criaturas vivas capazes de sentir dor e sofrimento e passaram a ser tratados como máquinas.
Tratar criaturas vivas que têm mundos emocionais complexos como se elas fossem máquinas tende a lhes causar não só desconforto físico como também grande estresse social e frustração psicológica.
O que há de trágico na agricultura industrial é que ela se ocupa muito das necessidades objetivas dos animais, mas negligencia suas necessidades subjetivas.
Pela primeira vez na história humana, a oferta começou a superar a demanda.
E surgia um problema completamente novo: quem vai comprar todas essas coisas?
No mundo afluente de hoje, um dos principais problemas de saúde é a obesidade, que acomete os pobres (que se empanturram de hambúrgueres e pizzas) de maneira ainda mais severa do que os ricos (que comem saladas orgânicas e vitaminas de frutas).
Todos os anos, a população dos Estados Unidos gasta mais dinheiro em dietas do que a quantidade necessária para alimentar todas as pessoas famintas no resto do mundo.
A obesidade é uma vitória dupla para o consumismo.
Em vez de comer pouco, o que levará à contração econômica, as pessoas comem demais e então compram produtos para dieta – contribuindo duplamente para o crescimento econômico.
O mandamento supremo dos ricos é “invista!”.
O mandamento supremo do resto de nós é “compre!”
Já a maioria das pessoas hoje consegue viver de acordo com o ideal capitalista-consumista.
A nova ética promete o paraíso sob a condição de que os ricos continuem gananciosos e dediquem seu tempo a ganhar mais dinheiro e as massas deem rédea solta a seus deseios e paixões – e comprem cada vez mais.
Essa é a primeira religião na história cujos seguidores realmente fazem o que se espera que façam.
Mas como temos certeza de que, em troca, teremos o paraíso? Nós vimos na televisão.
Nossos livros infantis, nossa iconografia e nossas telas de TV estão cheios de girafas, lobos e chimpanzés, mas o mundo real tem pouquíssimos deles.
Há em torno de 80 mil girafas no mundo, em comparação com 1,5 bilhão de cabeças de gado; somente 200 mil lobos, comparados com 400 milhões de cachorros domesticados; apenas 250 mil chimpanzés – em contraste com bilhões de humanos.
Degradação ecológica não é o mesmo que escassez de recursos.
Muitos chamam esse processo de “destruição da natureza”.
Mas, na verdade, não é destruição, é transformação.
A natureza não pode ser destruída.
Há 65 milhões de anos, um asteroide exterminou os di-nossauros, mas ao fazer isso abriu caminho para os mamíferos.
Hoje, a humanidade está levando muitas espécies à extinção e pode inclusive aniquilar a si mesma.
Mas outros organismos estão se saindo muito bem.
Ratos e baratas, por exemplo, estão em seu apogeu.
Essas criaturas obstinadas provavelmente sairiam de baixo dos escombros fumacentos de um armagedom nuclear prontas para espalhar seu DNA.
Talvez daqui a 65 milhões de anos, ratos inteligentes olhem para trás e sintam-se gratos pela dizimação causada pela humanidade, assim como hoje podemos agradecer àquele asteroide que destruiu os dinos-sauros.
A Revolução Industrial transformou a grade horária e a linha de montagem em um modelo para quase todas as atividades humanas.
Logo depois que as fábricas impuseram seus cronogramas ao comportamento humano, as escolas também adotaram grades horárias precisas, seguidas dos hospitais, dos gabinetes de governo e das mercearias.
Quando era meio-dia em Londres, era, talvez, 12h20 em Liverpool e 11h50 em Canterbury.
Como não havia telefones, nem rádio ou televisão, nem trens rápidos – quem poderia saber, e quem se importava?
Hoje, uma única família abastada costuma ter mais relógios em casa do que um país medieval inteiro. sentamos em frente à TV às sete da noite para assistir a nosso programa favorito, somos interrompidos em momentos predefinidos por comerciais que custam mil dólares por segundo e acabamos por descarregar todo o nosso mal-estar em um terapeuta que restringe nosso falatório à hora de terapia, que agora, por convenção, dura 50 minutos.
Uma comunidade imaginada é uma comunidade de pessoas que não se conhecem de fato, mas imaginam que sim.
A nação é a comunidade imaginada do Estado.
A tribo de consumidores é a comunidade imaginada do mercado.
O consumismo e o nacionalismo fazem um esforço extra para nos levar a imaginar que milhões de estranhos pertencem à mesma comunidade que nós, que todos temos um passado em comum, interesses em comum e um futuro em comum. Não se trata de uma mentira. Trata-se de imaginação.
Pessoas que não se conhecem intimamente, mas partilham dos mesmos interesses e hábitos de consu-mo, frequentemente se sentem parte da mesma tribo de consumidores – e se definem como tais.
É especialmente verdadeiro se considerarmos as sete décadas que se passaram desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Durante esse pe-ríodo, a humanidade, pela primeira vez, se viu diante da possibilidade da autoaniquilação completa e vivenciou um grande número de guerras e genocídios.
Mas essas décadas também foram a era mais pacífica da história humana – e por uma boa margem.
A nova ordem maleável parece ser capaz de conter e até mesmo iniciar mudanças estruturais radicais sem ruir em conflitos violentos.
No ano 2000, guerras causaram a morte de 310 mil indivíduos, e crimes violentos mataram outros 520 mil.
Cada uma das vítimas é um mundo destruído, uma família arruinada, amigos e parentes com cicatrizes para a vida toda.
Mas, de uma perspectiva macro, essas 830 mil vítimas representam apenas 1,5% dos 56 milhões de pessoas que morreram em 2000.
Naquele ano, 1,26 milhão de pessoas morreram em acidentes de carro (2,25% do total de mortes) e 815 mil pessoas cometeram suicídio (1,45%).
Acontece que no ano que se seguiu aos ataques do Onze de Setembro, apesar do muito que se falou em terrorismo e guerra, um cidadão médio tinha mais probabilidade de se matar do que de ser morto por um terrorista, um soldado ou um traficante de drogas.
Mas somos mais felizes? A riqueza que a humanidade acumulou nos últimos cinco séculos se traduz em contentamento? A descoberta de fontes de energia inesgotáveis abre diante de nós depósitos inesgotáveis de felicidade?
Os antigos caçadores-coletores viviam o momento presente, e tinham plena consciência de cada som, sabor e odor.
Sua sobrevivência dependia disso.
Nós, ao contrário, estamos terrivelmente sem foco.
Podemos ir ao supermercado e escolher comer mil pratos diferentes.
Mas, qualquer que seja o prato escolhido, provavelmente o comeremos às pressas diante da TV, sem prestar atenção ao sabor.
Podemos viajar para mil lugares incríveis.
Mas, para onde quer que formos, provavelmente estaremos brincando com nosso smartphone em vez de realmente ver o lugar.
Temos mais opções do que nunca, mas quão boas são essas opções, se perdemos a capacidade de prestar atenção realmente?
Mas a descoberta mais importante de todas é que a felicidade não depende de condições objetivas de riqueza, saúde ou mesmo comuni-dade.
Em vez disso, depende da correlação entre condições objetivas e expectativas subjetivas.
Você poderia dizer que não precisamos de um bando de psicólogos e seus questionários para descobrir isso.
Profetas, poetas e filósofos perce-beram, há milhares de anos, que estar satisfeito com o que você já tem é muito mais importante do que obter mais daquilo que deseja.
Ainda as-sim, é bom quando pesquisas atuais – sustentadas por uma porção de números e gráficos – chegam à mesma conclusão a que os antigos chegaram.
Alguns estudiosos comparam a bioquímica humana a um sistema de ar-condicionado que mantém a temperatura constante, venha uma onda de calor ou uma tempestade de neve.
Os sistemas de condicionamento da felicidade humana também diferem de pessoa para pessoa.
Em uma escala de 1 a 10, algumas pessoas nascem com um sistema bioquímico alegre que permite que seu humor oscile entre os níveis 6 e 10, estabilizando-se, com o tempo, no nível
Outras pessoas são amaldiçoadas com uma bioquímica melancólica que oscila entre 3 e 7 e se estabiliza em 5.
Você conhece algumas pessoas que estão sempre relativamente alegres, não importa o que aconteça com elas.
E há aquelas que estão sempre insatisfeitas, não importa que dádivas o mundo deite a seus pés.
Tendemos a acreditar que, se pudéssemos ao menos mudar de trabalho, nos casar, terminar de escrever aquele romance, comprar um carro novo ou quitar a hipoteca, estaríamos nas nuvens.
Mas, quando conseguimos o que desejamos, não parecemos mais felizes.
Comprar carros e escrever romances não muda nossa bioquímica.
Pode estimulá-la por um breve instante, mas logo voltamos ao ponto inicial.
Nada captura melhor o argumento biológico do que o famoso slogan da New Age: “A felicidade começa dentro de você”.
Dinheiro, status social, cirurgia plástica, casas bonitas, posições de poder – nada disso lhe trará felicidade.
A felicidade duradoura só vem da serotonina, da dopamina e da oxitocina. ‘
Outra é que as descobertas demonstram que a felicidade não é o saldo positivo entre momentos agradáveis e momentos desagradáveis; antes, consiste em enxergar a própria vida em sua totalidade como algo significativo e valioso.
Como colocou Nietzsche, se você tem um motivo para viver, é capaz de tolerar praticamente qualquer coisa.
Uma vida cheia de sentido pode ser extremamente gratificante mesmo em meio a adversidades, ao passo que uma vida sem sentido é um suplício terrível independentemente de ser repleta de conforto.
Se avaliarmos a vida minuto a minuto, as pessoas que viveram na Idade Média certamente tiveram uma vida difícil.
No entanto; se elas acreditavam na promessa de felicidade eterna após a morte, podem muito bem ter considerado sua vida muito mais valiosa e plena de sentido do que as pessoas seculares de hoje, que, no longo prazo, não conse-suem esperar nada além do completo esquecimento.
Então, nossos ancestrais medievais eram felizes porque encontravam sentido na vida em ilusões coletivas sobre a vida após a morte? Sim.
Contanto que ninguém destruísse suas fantasias, por que não? Até onde sabemos, de um ponto de vista puramente científico, a vida humana não tem sentido algum.
Os humanos são o resultado de processos evolutivos cegos que atuam sem propósito ou objetivo.
Nossas ações não são parte de um plano cósmico divino, e, se o planeta Terra explodisse ama-nhã, o universo provavelmente seguiria em frente como de costume.
Até onde podemos afirmar no presente momento, a subjetividade humana não faria falta.
Portanto, qualquer significado que as pessoas atribuem à própria vida é apenas uma ilusão.
Os sentidos sobrenaturais que os medievais encontravam em sua vida eram não mais ilusórios do que os sentidos humanistas, nacionalistas e capitalistas que as pessoas de hoje encontram.
O cientista que afirma que sua vida tem sentido porque ele contribui para um aumento no conhecimento humano, o soldado que declara que sua vida tem sentido porque ele luta para defender sua terra natal e o empreendedor que encontra sentido em construir uma nova empresa são não menos iludidos do que seus semelhantes medievais que encontravam sentido lendo as Escrituras, participando de uma Cruzada ou construindo uma nova catedral.
Então, talvez a felicidade seja sincronizar nossas ilusões pessoais de sentido com as ilusões coletivas predominantes.
Contanto que minha narrativa pessoal esteja alinhada com as narrativas das pessoas à minha volta, posso me convencer de que minha vida tem sentido e encontrar felicidade nessa convicção.
Essa é uma conclusão um tanto deprimente.
A felicidade realmente depende de autoilusão?
De acordo com o budismo, a raiz do sofrimento não é a sensação de dor nem de tristeza e nem mesmo de falta de sentido.
Em vez disso, a raiz do sofrimento é essa incessante e inútil busca de sensações efêmeras, que nos leva a estar em um constante estado de tensão, inquietude e insatisfação.
Devido a essa busca, a mente nunca está satisfeita.
Mesmo quando sentimos prazer, ela não está contente, porque teme que essa sensação logo desapareça e deseja ardentemente que permaneça e se intensifique.
As pessoas só se libertam do sofrimento não quando experimen. tam essa ou aquela sensação de prazer, e sim quando entendem a nature -a transitória de todos os seus sentimentos e param de persegui-los.
Esse é o objetivo das práticas de meditação budistas.
Na meditação, espera-se que você observe sua mente e seu corpo com atenção, que testemunhe o incessante ir e vir de todos os seus sentimentos e perceba como é inútil persegui-los.
Quando a busca cessa, a mente fica tranquila, clara e satis-feita.
Sentimentos de todo tipo continuam indo e vindo – alegria, raiva, tédio, desejo -, mas quando você para de ansiar por sentimentos especi-ficos, pode simplesmente aceitá-los tal como são.
Você vive o momento presente em vez de fantasiar sobre o que poderia ter sido.
Ele acaba por se sentar na areia e apenas permite que cada onda venha e se vá a seu bel-prazer. Que paz!
Com efeito, quanto mais importância damos a nossas sensações, mais ansiamos por elas, e mais sofremos.
A recomendação de Buda era parar a busca não só de conquistas externas, como também, acima de tudo, a busca de sensações internas.
Avanços recentes em aprendizado de máquina já possibilitam que computadores de hoje evoluam sozinhos.
Embora o programa seja inicialmente codificado por engenheiros humanos, ele consegue, depois disso, adquirir novas informações de forma autônoma, ensinar novas habilidades para si mesmo e ter insights que vão além dos que se encontram em seus criadores humanos.
Um programa desses não poderia explicar sua própria estratégia de investimento para um sapiens, pela mesma razão que um sapiens não conseguiria explicar Wall Street para um chimpanzé.
O que é uma espaçonave se comparada com um cyborg eternamente jovem que não procria e não tem sexualidade, que pode partilhar pensamentos diretamente com outros seres, cuja capacidade de memória e concentração é mil vezes maior que a nossa, e que nunca fica triste nem com raiva, mas tem emoções e desejos que nem sequer podemos imaginar?
Com efeito, os futuros senhores do mundo provavelmente serão mais diferentes de nós do que somos dos neander-tais.
Enquanto nós e os neandertais somos humanos, nossos herdeiros serão como deuses.
A não ser que alguma catástrofe nuclear ou ecológica nos destrua antes, o ritmo do desenvolvimento tecnológico logo levará à substituição do Homo sapiens por seres completamente diferentes que têm não só uma psique diferente como também mundos cognitivos e emocionais muito diferentes.
Gostamos de acreditar que, no futuro, pessoas exatamente como nos viajarão de planeta em planeta em espaçonaves velozes.
Não gostamos de considerar a possibilidade de que, no futuro, seres com emoções e identidades como as nossas já não existam e que nosso lugar seja tomado por formas de vida estranhas cujas capacidades ofuscam as nossas.
Não podemos saber ao certo se os Frankensteins de hoje realizarão essa profecia.
O futuro é desconhecido, e seria surpreendente se todas as previsões das últimas páginas se concretizassem.
Quando o Sputnike a Apollo 11 atiçaram a imaginação do mundo, todos começaram a prever que no fim do século as pessoas estariam vivendo em colônias espaciais em Marte e Plutão.
Poucas delas se tornaram realidade.
Por outro lado, ninguém previu a internet.
O que devemos levar a sério é a ideia de que a próxima etapa da história incluirá não só transformações tecnológicas e organizacionais como também transformações sociais na consciência e na identidade humana.
E essas podem ser transformações tão fundamentais que colocarão em dúvida o próprio termo “humano”. o que queremos nos tornar? Essa pergunta, às vezes conhecida como a pergunta do Aperfeiçoamento Humano, obscurece o debate que atualmente preocupa políticos, filósofos, acadêmicos e pessoas comuns.
“O que é proibido fazer?”.
Todas essas são perguntas importantes, mas é ingênuo imaginar que podemos simplesmente frear os projetos científicos que estão transformando o Homo sapiens em um tipo diferente de ser, pois esses projetos estão inextricavelmente unidos à busca pela imortalidade – o Projeto Gilgamesh.
A única coisa que podemos tentar fazer é influenciar a direção que eles estão tomando.
Mas, considerando que possivelmente logo seremos capazes de manipular inclusive nossos desejos, a verdadeira pergunta a ser enfrentada não é “O que queremos nos tornar?”, e sim “O que queremos querer?”.
Aqueles que não se sentem assombrados por essa pergunta provavelmente não refletiram o suficiente a respeito.
Além disso, apesar das coisas impressionantes de que os humanos são capazes de fazer, nós continuamos sem saber ao certo quais são nossos objetivos e, ao que parece, estamos insatisfeitos como sempre.
Em consequên-cia, estamos destruindo os outros animais e o ecossistema à nossa volta, visando a não muito mais do que nosso próprio conforto e divertimen-to, mas jamais encontrando satisfação.
Existe algo mais perigoso do que deuses insatisfeitos e irresponsáveis que não sabem o que querem?